quarta-feira, 28 de março de 2018

Enfrentando a Crise da meia idade: Erramos como país, não erremos como indivíduos.

Autor: Felipe Araujo
Publicação: Marco Saravalle, CNPI

“A demografia é transgressora, ela não vai se adaptar à constituição. A lei que deve se adaptar à demografia” – disse em entrevista Fabio Giambiagi, um dos maiores especialistas sobre previdência no país. O problema não é o nível de pessoas idosas no país, e sim a velocidade com que a população brasileira envelhece; é um problema físico, que impõe problemas, não só na deterioração das contas públicas, como também no crescimento econômico, na saúde e educação do país.
Particularmente, o processo de envelhecimento no Brasil foi mais acelerado do que em outras sociedades. A mesma transição demográfica que a França fez em 120 anos para, o Brasil fará em apenas 21 anos (2011-31).

Se o Brasil fosse representado por um único indivíduo, estaria em uma espécie de “crise da meia idade”. Termo cunhado por Elliot Jacques em 1965, na sua tese “Death and the mid-life crisis”. Nesse período da vida os indivíduos se veem face a face com suas limitações, restrições e com a morte. Apesar de países não morrerem, eles podem fracassar. O problema é que desperdiçamos a oportunidade de aproveitar um dos “dividendos demográficos”: usar o vigor e quantidade da mão de obra para construir o país enquanto jovem.


O risco é que nos tornemos pobres antes de enriquecer. A locomotiva do envelhecimento endereça ao menos três desafios para o país: i) haverá uma necessidade maior por gastos em saúde; ii) não é possível crescer com aumento da população; e, iii) no médio prazo as contas públicas podem se tornar insustentáveis.


Hoje não tenho dúvidas: Como país não nos preparamos para isso. Mas e como indivíduos?
Economia, ciência fúnebre . Os especialistas que alertam para os problemas previdenciários no Brasil tratam o tema com o pessimismo que lhe é devido. Entretanto, o sentimento de fracasso da tragédia da leniência fiscal e falta de plano de país não pode esconder o que deveria ser motivo de comemoração: o Brasileiro vive mais!

A geração que vai viver 120 anos já nasceu, eu particularmente espero que seja a minha. Brincadeiras à parte, em apenas três gerações, o Brasil se tornará um dos países com maior número de centenários do planeta . Quem não adora viver, eu adoro. Viver mais implica em conhecer mais pessoais, viajar mais e ter mais experiências. Oportunidades para realizar transições de carreira ao longo da vida e aproveitar mais a família.

Más como diz o velho adágio atribuído a Milton Friedman, “não existe almoço grátis”. É necessário pensar nisso, planejar isso e se sacrificar por isso. E aqui vai a minha verdadeira provocação nesse texto. Você pensa nisso, não só financeiramente, mas em termos de carreira, lazer, saúde mental e corporal.

Quantas vidas você quer em uma vida?

Dados do IBGE de 2008 apontam que o apenas 1% dos trabalhadores conseguiram viver a velhice com o que acumularam durante a vida. Mais de um terço volta, e se mantém trabalhando mesmo aposentado. O restante vive com ajuda de parentes ou de caridade.

Essa situação é corroborada por pesquisa recente do SPC Brasil em conjunto com a CNDL, que vai além. Mostra que setenta em cada cem brasileiros confia que apenas na contribuição que faz ao INSS para bancar sua aposentadoria. Claramente o Brasileiro não pensou nisso.

Imaginemos a situação de duas pessoas com a mesma profissão: Maria e Cristina. Ambas igualmente competentes, adquiriram uma renda constante mensal de R$ 6.600 (ou R$ 80.000 ano) na porção mais produtiva de suas carreiras, entre 30 e 62 anos de idade.



Fonte: Simulação do autor com base em ciclo da vida. Suposição: i) Taxa de juros real 5%a.a.; ii) Salário real e constante; iii) Até os 25 anos Cristina e Maria são financiadas pelos pais; iv) Ambas vivem até os 55 anos; v) Aposentadoria é de R$13.000,00 a.a.;

No início de suas carreiras, ambas tinham planos. Enquanto Maria queria pagar a faculdade da filha no exterior, Cristina planejava conhecer e viajar o mundo. Maria confiava que a renda proveniente da previdência social seria suficiente para viver sua aposentadoria, já Cristina era mais pragmática. Maria jantava fora de casa 4 vezes por semana e estava sempre na moda, guardava apenas 5% da sua renda mensalmente. Já Cristina era mais precavida, sacrificava um pouco mais aguentando suas compulsões e conseguia poupar em torno de 30%.

Após a aposentadoria, Maria teria não só que financiar a faculdade da filha no exterior por empréstimo ou bolsa, como também reduzir o seu padrão de vida na velhice. Já Cristina, além de manter seu padrão de vida ao longo da vida sem problemas, teria também uma serie de possibilidades que não estavam ao alcance Maria nem mesmo na sua fase mais produtiva.
Esse exemplo é tão simples quanto elucidativo. Cristina poderia não só curtir e viajar o mundo com a poupança que fez, como também ter uma velhice melhor ou até financiar um MBA no exterior ou montar um negócio como transição de carreira.

Obviamente, para viver até os 100 anos com qualidade, não só as finanças importam. 

Os pesquisadores Maria Fitzpatrick e Timothy Moore, em “The mortality effects of retirement: Evidence from Social Security eligibility at age 62”, estudo recém-saído do forno, trazem uma reflexão interessante. Nos Estados Unidos a idade de aposentadoria está associada a uma piora de 20% na qualidade de vida dos homens (das mulheres não).
Os principais fatores dizem respeito à qualidade de vida e hábitos dos indivíduos que se aposentam. Deixar de trabalhar significa não só uma redução na renda do indivíduo e piora dos cuidados médicos em decorrência disso, como também que os aposentados se tornam mais sedentários e antissociais. Tendem a ficar na frente da TV por mais tempo a se isolar e a consumir mais drogas como fumo ou álcool.

Essa piora na qualidade de vida está diretamente relacionada com aumento na incidência de câncer e doenças respiratórias. Mas porque a incidência é menor em mulheres, e inclusive não tão clara em outras partes do mundo? A minha provocação aqui é que os homens precisam aprender com as mulheres a como enfrentar a velhice. As mulheres tendem a ser mais sociáveis e a exporem mais seus problemas a especialistas, familiares ou amigos.


“Mente sã, corpo são”. A ciência vem mostrando saúde mental e física se retroalimentam. Minha provocação nesse texto é que a vida moderna exige que a mente, o corpo e o bolso andem em consonância com os objetivos profissionais. Maria entrou para as estatísticas como mais uma Brasileira que não pensou nisso. Pense como Cristina. Já erramos como país, não erremos como indivíduos. Quantas vidas quero em uma vida?


01. Economis, dismal Science.
02. https://exame.abril.com.br/revista-exame/nasce-a-geracao-centenaria/

Autor: Felipe Araujo, Economista, Mestrando em Economia Aplicada pela UFPB e consultor voluntário no Projeto Sala de Ações-UFPB. Contatos: felipe.8.araujo@gmail.com

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